Como sobrevivi a uma vespa e à burocracia portuguesa

No outro dia, ao chegar a casa após um longo dia, decidi abrir as janelas da sala. O tempo em Lisboa tem andado indeciso entre o estivo e o apocalíptico, por isso queria aproveitar aquele momento de calmaria para arejar a casa sem levar com uma tempestade em cima. Portugal tem estado tão tropical que começo a suspeitar que é Goa a vingar-se da colonização. Enquanto estava a preparar o meu lanchinho, ouvi um zumbido alto e ininterrupto. Pensei, na minha santa inocência, que era só uma mosca varejeira ou, como a minha mãe gosta de fazer troça, uma mouche à merde. Para meu desagrado, era, na verdade, uma vespa asiática.

Entrei em pânico. Fechei imediatamente a porta da sala e, felizmente, há uma porta que separa a sala do resto dos espaços. Sozinha em casa e com um medo inexplicável de abelhas e vespas, fiz o que qualquer pessoa faria: pesquisei no Google: “Quem contactar quando uma vespa asiática invade a tua casa e te coloca em perigo de vida?”. O primeiro número que apareceu foi o do SOS Ambiente e Território. É uma linha telefónica dedicada para receber denúncias de carácter ambiental dirigida pela GNR e pela SEPNA1. Liguei e a resposta foi: “Tem de preencher um formulário”. Fez-me logo lembrar o sketch do Gato Fedorento, agora adaptado à era digital2. Com um pedido formal, estava certa que ia convencer a vespa a sair.

Enquanto discutia a inutilidade deste método para o meu problema com o operador, parecia que a vespa tinha desaparecido. Respirei de alívio, fechei a janela e continuei na minha vida. Mal dei a primeira dentada numa torrada com manteiga, um novo zumbido interrompeu o meu momento de felicidade. Apercebi-me que a vespa estava a instalar-se no candelabro, que está meio preso ao teto, por cima da mesa onde estava a comer.

Era tarde demais para ligar a mais alguém, então tive de enfrentar o monstro sozinha. Com muita coragem, vesti um impermeável que me cobre até aos pés para voltar a abrir a janela. Eventualmente, consegui dormir, no quarto ao lado, mas acordei a meio da noite com a sensação de que alguém, ou algo, ainda estava ali.

No dia seguinte, fiz uma inspeção minuciosa à sala. E, claro, ao olhar para o candelabro, vi umas asinhas suspeitas a mexerem-se. A vespa ainda lá estava. Fechei novamente a porta e decidi adotar uma abordagem mais agressiva: comecei a atirar-lhe objetos que não partissem nada importante, mas que compensassem pela minha péssima pontaria.

Depois de falhar repetidamente, rendi-me e pedi ajuda novamente. Liguei para a polícia, bombeiros, Proteção Civil, Junta de Freguesia e Câmara Municipal. A resposta era sempre a mesma: “Não podemos fazer nada, tem de a matar ou abrir a janela. Mas tente este outro número!”. Basicamente, a solução era um jogo de pingue-pongue de chamadas até eu me cansar. Numa última tentativa, contactei uma empresa privada. O preço? 130€ pelo serviço e 20€ pela deslocação. Por esse valor, em tempos, até alugava um T0 e deixava-lhe o meu apartamento, até ela decidir sair por vontade própria. Como não estava disposta a abdicar da casa, reuni a minha última réstia de coragem. Abri a porta e pus-me aos berros para ver se a vespa se fartava da minha presença.

Milagrosamente, resultou. A vespa, finalmente farta de ser minha inquilina, saiu ao fim de dois dias. Eu também saí vitoriosa, sem qualquer queixa dos vizinhos, que deviam estar a dormir, a julgar pelo silêncio no resto do prédio.

“Mas porque não a mataste?”. Primeiro, porque estas vespas são pequenas assassinas. A picada é forte, podem picar várias vezes e já houve casos fatais. Segundo, não sei se sou alérgica, e como o meu pai é, não queria descobrir sozinha. Terceiro, porque são absolutamente gigantes. Acertei-lhe com uma bola de ténis duas vezes e ela nem se mexeu. Moral da história? Em Portugal, para lidar com as vespas asiáticas, tens três opções: preencher um formulário inútil, pagar uma fortuna ou gritar o suficiente para a assustar. Eu escolhi a terceira. E resultou, por sorte.

É frustrante perceber que os serviços e autoridades só se mobilizam quando a situação já atingiu dimensões muito maiores, como quando já há um ninho formado, o que já se torna um risco para a segurança pública. Mas isto acontece em várias situações. Se alguém precisar de ajuda médica urgente fora do horário de expediente do centro de saúde, dificilmente um hospital a atenderá. Se alguém quiser abrir um pequeno negócio, tem de passar por uma série de autorizações, carimbos e de respostas do género “volte cá amanhã com o formulário X e o anexo Y”. A burocracia tornou-se um símbolo nacional, em que o cidadão, em vez de ser tratado como um contribuinte, é visto como um incómodo que atrapalha o funcionamento da máquina administrativa. O país só se mexe quando o problema já é demasiado óbvio para ser ignorado. Até aí, prefere fingir que não o consegue resolver.


  1. Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente ↩︎

  2. https://youtu.be/L86T-_77Wi8?si=4nCQMm24onPVBKM_ ↩︎

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